No dia em que a poesia vier ao mundo
Na biblioteca, sobre a bancada
Páginas serão derramadas
Brancas de espanto
Talvez, num canto
Algum ponto de interrogação:
Para onde (es)correram
As palavras então?
No dia em que a poesia vier ao mundo
Vai ter poema sendo encontrado
Violentado no mato, dentro do rio
Brotando suado nos muros
Esquecido na seção de frios
Vai ter poema em hortifruti
Maduro entre as tangerinas
E ao invés da caixa registradora
Bater cifras assustadoras
A nota fiscal vai imprimir rimas.
No terreiro, o caboclo
Não vai baixar Orixá
Mas versos roucos,
Sonetos oxalá.
No dia em que a poesia vier ao mundo
Pacientes obturados
Obedecerão boquiabertos
Dentistas inspirados.
Suportarão suas dores
Para não interromper, de certo,
Os arroubos dos doutores.
Mulheres em parto
Iluminarão todo quarto
Pelo cordão umbilical:
Do ventre escuro
Surgirá o poema prematuro
Com fome gramatical
No dia em que a poesia vier ao mundo
Da repartição
Ao chefe de nação
Antologia poética:
Todo cidadão
Em qualquer profissão
Só vai dizer com métrica.
No dia em que a poesia vier ao mundo
Vai cair de boca, na boca do mundo
Vai cair da boca de todo mundo
No dia em que a poesia vier ao mundo.
Belíssimo poema de Tiago Cavalcanti, postado no Poema Dia
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