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sexta-feira, 20 de março de 2009

Jornal israelense denuncia assassinatos de civis palestinos na Faixa de Gaza

O Jornal israelense Haaretz publicou em sua edição de quarta-feira reportagem do jornalista Amos Harel com relatos de soldados do exército de Israel que participaram dos 22 dias de ofensiva na Faixa de Gaza – ocorrida sob o pretexto de atacar o movimento islâmico Hamas. Os soldados admitiram ter matado civis que não representavam ameaça às tropas e de terem destruído intencionalmente suas propriedades, "simplesmente porque podiam". Realizada entre os dias 27 de dezembro e 18 de janeiro deste ano, a ofensiva deixou ao menos 1.300 palestinos mortos, dos quais ao menos 900 civis.

Os militares, entre eles pilotos de combate e soldados de infantaria, fizeram as revelações em relatórios do curso preparatório militar Yitzhak Rabin, na cidade de Tivon. O que eles dizem é chocante.

Havia uma casa com uma família dentro... Nós os colocamos em um quarto. Mais tarde, nós saímos da casa e outro pelotão entrou. Poucos dias depois recebemos uma ordem para deixar a família sair. Eles (N.R.: os soldados) se posicionaram no piso superior. Havia um atirador em posição no telhado. Disseram para que fossem (N.R.: a mãe e os filhos) pela direita. Uma mãe e os dois filhos não entenderam (N.R.: a ordem do comandante) e foram à esquerda, mas esqueceram de dizer ao atirador de elite no telhado que deixasse eles irem, que tudo estava normal e que não devia atirar. O atirador viu a mulher e os dois filhos se aproximando dele além das linhas que ninguém devia atravessar. Ele atirou neles. De toda forma o que houve foi que, no fim, ele os matou. Não acho que ele (N.R: o atirador) tenha se sentido mal com o caso, pois, até onde ele sabia, estava seguindo ordens. E a atmosfera de modo geral, do jeito que eu entendo e a partir do que conversei com muitos dos meus homens... não sei como descrever isso... Digamos que a vida dos palestinos seja muito menos importante que a vida dos nossos soldados”, disse o líder de um pelotão de infantaria sobre um incidente no qual um atirador de elite disparou contra uma mulher palestina e seus dois filhos.

Outro líder de pelotão da mesma brigada falou sobre um incidente no qual o comandante de sua companhia ordenou que uma senhora palestina fosse baleada e morta; ela estava caminhando por uma estrada a cerca de 100 metros da casa onde estava o comando da companhia.

O mesmo líder de pelotão disse ter argumentado com seu comandante sobre as regras de combate que permitiam aos soldados “limpar” as casas palestinas, disparando em seu interior sem avisar aos moradores. Depois que esta prática foi modificada, os soldados reclamaram dizendo que "deveriam matar todo mundo em Gaza, pois todo mundo é terrorista". O mesmo líder de pelotão continua: "Você não tem a impressão dos comandantes de que há qualquer lógica nisso, mas eles não dizem nada. Nós escrevíamos ‘morte aos árabes’ nas paredes, pegávamos as fotos de família e cuspíamos nelas, apenas porque podíamos. Eu acho que isso é o principal aspecto: entender o quanto as Forças Armadas israelenses caíram no âmbito de ética. Isso é o que eu mais me lembrarei".

Estes são os dois relatos publicados na quarta-feira pelo Haaretz. O jornal diz que publicará outros testemunhos nos próximos dias.

Reação

O chefe do serviço jurídico do Exército israelense, general Avichai Mendelblit, ordenou a abertura de uma investigação sobre as circunstâncias dos fatos relatados pelos soldados, que considera "errôneos" e "inaceitáveis" para as Forças Armadas de Israel.

O diretor do curso militar, Danny Zamir, disse que não sabia o que os soldados haviam escrito nos relatórios entregues à academia e que as declarações o deixaram chocado. Depois de ouvir os soldados, ele afirmou ter alertado o chefe das Forças de Defesa, Gabi Ashkenazi, sobre seu temor por uma “séria falha moral” entre os militares. Segundo Zamir, o escritório da chefia das Forças de Defesa pediu a transcrição dos relatos dos soldados e uma reunião foi marcada para esta semana para debater o tema. "Eles não pretendem evitar a responsabilidade", disse.

O ministro de Defesa de Israel, Ehud Barak, respondeu as declarações publicadas pelo jornal dizendo estar confiante de que as Forças de Defesa lidarão com o tema "com toda a seriedade", e emendou: "Eu passei dezenas de anos em uniforme. Sei o que aconteceu na Iugoslávia, Afeganistão, Iraque e digo a você que ao chefe das Forças de Defesa ao último soldado, o Exército mais moral do mundo está pronto para receber ordens do governo de Israel. Eu não tenho dúvidas de que cada incidente será analisada individualmente".

É possível negar?

No artigo “Can Israel dismiss its own troops' stories from Gaza?”, Amos Harel afirma que os testemunhos dos soldados possibilitam um olhar sem censura sobre algumas das unidades de combate que atuaram na ofensiva. Para o jornalista, os depoimentos mostram as coisas como elas são no campo de batalha e não através de uma ótica preparada pelos comandantes para o público e para a mídia.

Os soldados não estavam mentindo, pela simples razão de que não haveria motivo para isso. Se você ler a transcrição que aparecerá no Haaretz nesta sexta-feira (N.R.: dia 20), você não verá qualquer julgamento ou vanglória. Aquilo foi o que os soldados, a partir de seus pontos de vista, viram em Gaza. Há uma continuidade nestes depoimentos, vindos de diferentes setores, que reflete um retrato perturbador e deprimente.”, afirma Harel.

O jornalista lembra que os relatos são provenientes de soldados israelenses e não apenas de testemunhas palestinas ou da “mídia hostil”.

É possível que, em algum ponto, tenha havido alguns erros ou exageros, já que um líder de pelotão muitas vezes não vê o quadro todo. Mas isso é evidência, em primeira mão, do que muitos israelenses preferem refutar. É assim que o exército conduz esta guerra contra terroristas armados, com uma população de 1,5 milhão de pessoas presas no meio”, continua Harel.

Crimes de Guerra

Na última terça-feira (17), o analista de direitos humanos das Nações Unidas para os territórios palestinos, Richard Falk, disse que a ofensiva israelense contra o Hamas em uma área densamente povoada constituiu-se em um crime de guerra de “grande magnitude”.

Para ele, a Convenção de Genebra exige que as forças em conflito distingam entre alvos militares e os civis que habitam as áreas de combate. “Se isso não for possível, então lançar um ataque é ilegal e se constitui crime de guerra de grande magnitude sob as leis internacionais”, afirmou. Falk pediu a formação de um grupo independente de especialistas para provar os possíveis crimes de guerra cometidos tanto pelo exército israelense como pelo Hamas.

Os mortos

O Palestinian Center for Human Rights publicou nesta semana os nomes de 1417 palestinos mortos nos confrontos. Segundo o relatório, 926 eram civis, 236 combatentes e 255 membros das forças de segurança palestinas na Gaixa. Muitos dos policiais foram mortos em uma série de bombardeios no dia 27 de dezembro, o primeiro dia do conflito. O grupo diz estar investigando a morte de cada civil. A lista dos mortos pode ser encontrada no website do grupo.

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