Semana On

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

É a formação superior a única saída para a inclusão social?

Um dia destes, sentado em um bar com cinco amigos, um doutor, duas doutorandas, um professor universitário envolvido em políticas educacionais e um advogado de ponta debati, entre goles de chopp, questões relativas ao ensino superior no Brasil. O ponto interessante do bate-papo foi perceber o que pensam alguns acadêmicos sobre temas como inclusão social e ensino.

O assunto realmente me interessou quando se desviou para o sistema de cotas. Sou contrário a elas. Explico: considero que o País perde quando se entrega uma vaga de curso superior a uma pessoa menos capacitada, simplesmente por ela ter a cor da pele ou a situação econômica adequada para receber este benefício. Tirar esta vaga de um aluno com mais capacidade é um erro, na minha concepção.

Defendo que a luta deva ser por um ensino básico de qualidade para que, daqui a uma ou duas gerações, alunos provenientes de escolas públicas ou particulares disputem vagas de igual para igual, prevalecendo o mais capacitado. Quanto à geração que ficará de fora dos cursos superiores por não ter condições de disputar a vaga agora, paciência (entendo que é necessário investir em cursos técnicos para absorver os que não chegarão aos bancos das universidades).

Meus colegas acadêmicos não aceitaram o argumento. Não admitiram a hipótese de que um brasileiro prejudicado por políticas públicas de exclusão racial e social pudesse ser colocado de lado - mesmo com o objetivo de evitar que estas situações se repitam no futuro. Não levaram em conta que, ao dar uma vaga a um estudante despreparado, tirando desta vaga alguém com melhor preparo, pode-se estar prejudicando gravemente o País e, pior, perpetuando as mesmas situações de exclusão que se quer combater.

Em interessantíssimo artigo no blog Laudas Críticas, o jornalista Maurício Tuffani abordou tema similar. Por meio de seu artigo, travei contato o novo livro de Charles Murray, “Real Education: Four simple truths for bringing America’s schools back to reality” (Educação Real: Quatro verdades simples para trazer as escolas da América de volta à realidade), que, entre outras coisas, sustenta que “não há necessidade — e se trata até de desperdício — de obrigar todos os estudantes a cursar uma faculdade”. Murray sustenta que avaliações educacionais nos EUA mostram que 80% dos jovens estão abaixo da média de “competência cognitiva” necessária para refletir sobre questões intelectualmente complexas. E não é isso que vemos hoje nas universidades brasileiras? Gente que, sabe-se lá como conseguiu chegar ali tal a ausência de condições mínimas de intelectualidade.

- Importante frisar que, apesar de pinçar este raciocínio específico de Murray, com o qual concordo, tenho reservas abissais quanto aos seus argumentos sobre o estudo grupal do papel do coeficiente de inteligência (QI) na sociedade (veja mais aqui e aqui), defendido por ele -

Em entrevista a Martha San Juan França, publicada no caderno “Eu & Fim de Semana”, do jornal Valor Econômico, Murray diz o seguinte: “Vamos ser realistas. O diploma normalmente comprova que a pessoa teve uma educação liberal clássica. Significa que tem condições de ler e entender textos difíceis. Mas centenas de jovens nunca conseguirão ler e entender, por exemplo, a Ética de Aristóteles. O resultado é que temos faculdades que oferecem cursos fracos, aumentam as notas e fingem que os seus alunos estão fazendo atividades de nível universitário quando, de fato, não estão. De todas as contribuições que meu livro pode trazer, a que mais me agradaria ver seria o reconhecimento da fraude que o diploma representa.”.

É fato que, como disse o economista e especialista em educação Gustavo Ioschpe, no artigo “Pelo direito à ruindade”, publicado na Veja, “os países que buscavam o desenvolvimento rápido entenderam que a qualificação de suas populações era um caminho obrigatório e trataram de criar mecanismos que permitissem a massificação do conhecimento em seu nível mais alto”. Apesar disso, no Brasil, a taxa de matrículas no ensino superior é de apenas 24%, contra 48% no Chile, 44% no Panamá, 42% no Uruguai e 41% na Venezuela.

Entre os motivos da estagnação brasileira, aponta Ioschpe, está a péssima qualidade do ensino fundamental e médio, “que gera um número pequeno de concluintes aptos a entrar no ensino superior”.

Dito isso, volto à questão central deste artigo, e questiono: em um País onde tão poucos conseguem chegar ao ensino superior é lícito tirar uma vaga de uma pessoa para dar esta vaga à outra, menos qualificada, usando como argumento nosso histórico de exclusão social e racial?

A resposta está na nossa tendência de supervalorizar o ensino superior, de apontá-lo como única alternativa de inclusão, como panacéia para todos os problemas. Viabilizar a formação de profissionais competentes, especialmente nas áreas vitais para o desenvolvimento de uma nação, como ciência e tecnologia, é vital. Ocorre que, no Brasil, o diploma de curso superior se tornou sinônimo de melhor qualificação para o mercado de trabalho. Por isso de defende o sistema de cotas como fator de inclusão social, olha-se apenas o momento, o agora, sem vislumbrar o que isso pode gerar para o futuro da nação.

Com um canudo nas mãos uma pessoa ganha cerca de três vezes mais do que outra que tenha cursado apenas alguns anos do ensino superior, e quase cinco vezes mais do que aquela que cursou somente o ensino secundário. Tenha o diplomado capacidade para exercer sua função ou não.

“Faz sentido imaginar que um empregador busque, no meio da incerteza do mercado de trabalho, um indicador para garantir a competência e a confiabilidade do futuro empregado. Um diploma seria esse indicador. A escola não agregaria muito em termos de conteúdo, mas seria mera ferramenta de sinalização, como que dizendo: pode me contratar”, afirma Ioschpe.

Vejam, estamos falando das vantagens imediatas do diploma de curso superior para algumas pessoas, não para o futuro do País e, em conseqüência, de milhões de pessoas.

Enfocando os interesses do País, o assunto muda de rumo. Afinal, um País não é construído apenas de pesquisadores nas áreas de ciência e tecnologia, além do que nem todos têm capacidade intelectual para se desenvolverem nestas áreas. O inchaço em áreas de atuação como Direito, Engenharia e Comunicação Social - para citar apenas algumas – é o resultado imediato deste endeusamento do diploma.

Não seria melhor, então, desafogar o mercado investindo em cursos técnicos? É o que fazem países como Finlândia, Alemanha, Coréia, Suíça e Estados Unidos onde a maioria dos jovens faz este tipo de opção ao invés do ensino superior. Respectivamente, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o percentual de jovens destes países optando pelos cursos técnicos é de 82%, 72%, 65%, 65% e 60%. No Brasil, apenas 9% dos jovens optam desta forma, até por que não haveria como absorver a demanda por simples ausência de escolas técnicas em número suficiente para isso.

Além disso, os países com boas escolas técnicas de nível superior são aqueles onde a população alcança os melhores índices de escolaridade. Numa comparação com 34 países, o Brasil é o que envia menos jovens às escolas técnicas - e também tem a população menos instruída. A média de anos de estudo da população (ainda segundo o OCDE) dos países citados anteriormente demonstra isso de forma clara: Finlândia (12,4 anos), Alemanha (13,4anos), Coréia (11,7 anos), Suíça (11,5 anos), Estados Unidos (12,7 anos), Brasil (6,1 anos).

Para finalizar e retomar o tema do meu bate-papo regado a chopp com amigos acadêmicos deixo a seguinte questão: ao invés de lutarmos por cotas para sanar séculos de exclusão social e racial – mas que levarão gente desqualificada ao ensino superior, projetando um País ainda mais atrasado científica e tecnologicamente e, em conseqüência, mais desigual – que tal brigarmos por políticas sérias de implementação de cursos técnicos - para abrigar quem não consegue chegar às universidades e formar gente qualificada – e por um ensino básico de verdade – o que permitiria, no futuro, que brancos, negros, índios, ricos, remediados e pobres disputassem os espaços de excelência de igual para igual?

1 comentário:

Luiz Felipe Vasques disse...

É foda, mevéio.

O bom e velho Nils - lembra dele? -, dinamarquês, comentou que na Dinamarca profissões como carpinteiro, assim como outros que pegam a mão na massa, são valorizadas e bem pagas, socialmente em pé de igualdade com alguma boniteza ensinada em uma universidade.

Bem, vê-se que isto aqui não é a Dinamarca.

O Brasil parece que tem essa fidalguia barata incutida, que olha para o artífice, se posso resumir assim, de cima pra baixo.

Ou seja, ainda há a chance de que, mesmo com uma escola técnica decente, haja a chance dessa mentalidade não mudar.

Mas não me parece que justifique ainda os argumentos como o do Senador Buarque.