Semana On

domingo, 19 de outubro de 2008

O espetáculo no lugar do jornalismo

Às 19h22 deste domingo (19 de outubro) ligo a TV e zapeando acabo estacionando no Domingo Espetacular da Record. Um jornalista fala no estúdio sobre a morte de Eloá Cristina Pimentel, 15, assassinada pelo ex-namorado, Lindemberg Alves, 22, em Santo André. Após ter sido levada ao Centro Hospitalar Santo André, a menina teve morte cerebral decretada e os pais em seguida autorizaram a doação de seus órgãos.

O jornalista da Record faz o link com uma repórter de plantão no hospital para que ela dê todos os detalhes sobre a autorização dada pela família. A jornalista avisa que os médicos responsáveis pela retirada dos órgãos farão uma coletiva e diz que o principal fato a ser esclarecido é sobre quem irá receber os órgãos da menina...

Ou seja: findo o caso que gerou centenas de horas de gravação por parte da maioria das emissoras, milhares de toques em intermináveis laudas em jornais impressos e sites de notícia, o interesse da mídia se volta para o destino dos órgãos de Eloá.

A fome por pontos de audiência não tem limites.

Pergunto: a quem interessa de fato uma cobertura segundo a segundo sobre o destino dos órgãos da jovem Eloá? O que isso trará de novo ao caso? O que acrescentará ao entendimento de um fato que ultrapassa os limites da compreensão?

Peço que não respondam de imediato. Pensem um bocadinho, deixem esfriar nos miolos os argumentos e na ponta da língua a ardência da vontade de dizer: é nosso direito informar e direito da população ser informada.

Bem, se vocês agüentam esperar, parabéns. Eu não agüento e respondo ainda com a língua quente e o cérebro atormentado por tanta hipocrisia. Uma ova! O único interesse por trás disso é vencer a luta pelo telespectador, pelos pontos na audiência.

Navegando para lá e para cá em busca de alguma base, encontro artigos, livros e teses sobre o tema. Seguem algumas coisas pinçadas desta selva.

Em seu livro Showrnalismo - A notícia como espetáculo, o jornalista José Arbex Jr. já apontava para onde caminhávamos, nós jornalistas, entorpecidos pelo "poder narcótico" da mídia.

“Os estudiosos de comunicação classificam essa exposição excessiva de alguns casos na mídia como espetacularização da notícia. Na realidade, a isso nada mais é do que a atribuição de um caráter teatral ao fato, com o acréscimo das técnicas do suspense, o que acentua a curiosidade popular, aumenta a venda de jornais e revistas e a audiência das emissoras de televisão e rádio”, afirma a jornalista Manuela Martinez em seu artigo Notícias ou Espetáculo.

Falando da cobertura política no artigo As raízes da espetacularização da notícia, Laurindo Lalo Leal Filho mostra que esta tendência de destruir a notícia em prol do espetáculo é comum a outras editorias, em especial na TV: “Há duas explicações básicas para que isso ocorra: o lucro como objetivo único das emissoras comerciais e, em decorrência, a visão da TV como fonte prioritária de entretenimento. Comecemos destrinchando a primeira explicação. No Brasil, diferentemente da maioria dos países europeus, a televisão foi concebida desde a sua origem como um empreendimento comercial, voltado para a obtenção de riquezas. Aqui não se pensou na TV como serviço público, com a responsabilidade social de, em primeiro lugar, se dirigir ao cidadão e dar a ele instrumentos para viver melhor na sociedade”.

Fico pensando se estamos ajudando a desconstruir nossa sociedade a partir da banalização da informação. Sim, pois se por um lado há os “jornalistas-animadores de auditório”, do outro há um público ávido a assistir esta demolição moral e ética.

O público parece preferir esta espetacularização da notícia na qual a televisão “registra cenas (...) apenas imaginadas nos filmes de ficção” [1], criando um ciclo vicioso que leva o leva a consumir apenas as produções sensacionalistas em detrimento das reportagens imparciais e com qualidade, pois a televisão transformou-se em “um fenômeno de massa de grande impacto na vida social” [2].

Sinceramente não sei onde vamos parar. Enquanto sindicatos e acadêmicos se esforçam por reduzir a profissão a um canudo, assuntos que realmente deveriam estar sendo debatidos à exaustão ficam perdidos nas entrelinhas.

Sei lá...

OBS: Vale checar alguma reações de jornalistas e outros profissionais no Observatório de Imprensa

[1] BARBEIRO, Herótodo & LIMA, Paulo Rodolfo de. Manual de telejornalismo: Os segredos da notícia na TV. 4ª reimpressão, editora Campus. Rio de Janeiro: 2002. Página 13.
[2] BARBEIRO & LIMA: 2002. Página 15.

Victor Barone

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