Semana On

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

As pantomimas da MMX e do poder público

A conversão de minério de ferro em ferro ou aço ocorre por meio da sua reação com carbono, sob elevadas temperaturas, em indústrias siderúrgicas. No Brasil, muitas siderúrgicas empregam carvão vegetal para este processo. Para cada tonelada de ferro produzido, são consumidos mais de 600 quilos de carvão vegetal ou, aproximadamente, uma tonelada de árvores. O problema é que as florestas cultivadas para este fim não têm sido suficientes para o fornecimento de todo o carvão vegetal consumido no país.

Este fato está por trás da pantomima apresentada ontem (14) pelo empresário Eike Batista, do grupo EBX, e pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e digerida pela grande mídia sem muitos questionamentos. Em julho, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) multou uma das empresas de Batista em R$ 25 milhões, sob a alegação de que 90% dos fornecedores de carvão da mineradora operavam na ilegalidade. Ciente de que a pecha de mutilador ecológico não cai bem pra a imagem da MMX Mineração e Metálicos S/A o empresário assinou um acordo de cooperação de R$ 11,4 milhões para investimentos nos parques nacionais de Fernando de Noronha (PE), Lençóis Maranhenses (MA) e Pantanal mato-grossensse (MT).

A ação, por si só, merece aplausos. No entanto, é necessário observar o que há por trás dela. Eike Batista conhece os meandros da política e da imagem pública que deve construir para manter-se no topo da pirâmide. Sua estratégia de “bater e assoprar” já foi bem abordada no ano passado em bela reportagem de Alice Sampaio – que aponta as relações promíscuas entre o empresário e políticos do alto escalão sul-mato-grossense, como o governador André Puccinelli (PMDB) e o senador Delcídio do Amaral (PT).

A relação da MMX com as carvoarias ilegais no Brasil, na Bolívia e no Paraguai não é recente. Em outubro de 2005 o então ministro do Meio Ambiente do Paraguai, Alfredo Molinas, disse que “os contrabandistas brasileiros (de carvão) são os responsáveis de grande parte da devastação das florestas paraguaias”. Em 2006 a empresa foi expulsa pelo governo boliviano sob a alegação de que ocasionaria desmatamentos naquele país.

Em fevereiro de 2007 a MMX deu início a um projeto de plantio de eucalipto para atender ao programa de reflorestamento do Sistema MMX Corumbá, com o objetivo de suprir sua demanda de carvão vegetal. O objetivo é de atingir em sete anos 38 mil hectares cultivados (área necessária, segundo estudos da empresa, para garantir a auto-suficiência de carvão vegetal para a operação plena da unidade de Corumbá). A mineradora estaria investindo R$ 350 milhões no processo, com a pretensão de estender o reflorestamento aos municípios sul-mato-grosenses de Dois Irmãos do Buriti e Anastácio em um total projetado de 1.500 hectares. Não há, no entanto, levantamentos atualizados sobre o desenvolvimento deste projeto.

Oito meses depois, em novembro do ano passado, o Ibama desencadeou a “Operação Ouro Negro”, interrompendo um desmatamento de floresta nativa na reserva indígena dos índios kadiwéus que chegou a mil hectares. A madeira era transformada em carvão e parte do produto comercializado (pasmem) com a MMX. Grande parte da mata derrubada era composta de essências florestais, aroeira e quebracho, espécies protegidas por lei.

O desmatamento ocorreu numa área da reserva situada no Pantanal do Nabileque, ao sul do município de Corumbá, divisa com os municípios de Bodoquena e Porto Murtinho. No local foram encontrados 40 fornos, apreendidos 12 motosserras e 500 m3 de carvão. O Ibama informou que o desmatamento ocorreu em uma região de extrema importância ambiental, contemplada por espécies da flora da Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal.

Seja lá qual for à área plantada pela empresa, todo carvão utilizado por enquanto (antes que o eucalipto possa ser usado) terá de vir das carvoarias espalhadas pelo Mato Grosso do Sul, Bolívia e Paraguai. É aí que reside o problema. É notório que as carvoarias ilegais proliferam na região. No ano passado a Polícia Militar Ambiental (PMA) fechou 101 delas. De acordo com dados do Ibama existem 1.226 carvoarias cadastradas e cinco mil carvoarias ilegais no Mato Grosso do Sul, diversas delas no Pantanal. Os municípios mais visados pelos criminosos são Bonito, Aquidauana, Jardim e Bodoquena. Ednilson Queiroz, capitão da PMA, define o caos: “A produção e comércio do carvão vegetal devem ser encarados como crime organizado”.

Holocausto das matas nativas

A professora Sonia Hess, engenheira química e coordenadora do curso de engenharia ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) tem feito constantes apelos, preocupada com o futuro das matas nativas no estado. Hess, que presta assessoria voluntária ao Ministério Público Estadual e Federal sobre questões relacionadas ao meio ambiente, traça um quadro temerário. Ela garante que as matas nativas de Mato Grosso do Sul poderão ser devastadas devido à ação das siderúrgicas.

Segundo a pesquisadora, a lacuna de tempo entre o plantio de eucaliptos com fins de produção de carvão e sua maturação para o primeiro corte será ocupada pela utilização de carvão de todas as procedências: “O alimento para os fornos será retirado de onde é possível, das matas nativas, por exemplo. O empresário do campo, hoje, está apertado, não é difícil para os carvoeiros chegarem em uma fazenda e oferecerem o serviço de limpeza do pasto, retirar tudo, para depois o proprietário plantar cana ou criar gado. Em troca eles levam as árvores, a mata nativa”, explica.

Maior consumidor do carvão sul-mato-grossense, o estado de Minas Gerais compra no estado o que já não pode produzir devido à devastação de suas áreas florestais. As indústrias mineiras perceberam que é mais barato se instalarem em MS do que comprar o carvão e levá-lo para MG. A Sideruna (instalada em Campo Grande) é mineira. A atual produção de carvão no estado é de cerca de 2 milhões de metros cúbicos, sendo a maior parte, 1,3 milhão de metros cúbicos, consumidos por Minas Gerais.

É desesperador. Quem viaja pelo Pantanal vê que as áreas estão sendo dizimadas. Os prejuízos relacionados a esta destruição não podem ser calculados. No momento em que perdemos esta biodiversidade, perdemos fertilidade do solo, perdemos a possibilidade de explorar o turismo e produtos úteis como medicamentos, alimentos. Além disso, trata-se de condenar gerações futuras a viverem num ambiente degradado”, lamenta Hess.

Seria óbvio imaginar que as empresas que dependem do carvão vegetal, ao se instalarem, desenvolveriam de imediato uma estratégia de plantio de árvores para serem consumidas em sua produção. Mas isso não é tão óbvio assim. O diretor da área de metálicos da MMX, Dalton Nosé, explica que a empresa tem prazo legal de 10 anos para se tornar independente do carvão vegetal de terceiros.

Como o mercado consumidor existe hoje, não houve tempo para preparar uma estrutura para atendê-lo. Então, o que se está fazendo é implantar as indústrias para depois tentar plantar árvores. Mas isso não é o pior, em muitos casos nem mesmo se está plantando árvores, estão mesmo contando com a mata nativa”, conclui a pesquisadora da UFMS.

A preocupação não é fruto de um alarmismo descabido. Desde 2005, pesquisadores e organizações não-governamentais ligadas ao meio-ambiente alertam para o aumento excessivo do desmatamento de matas nativas no estado. A organização Conservação Internacional apresentou no final de 2005 um estudo apontando que 17% da cobertura vegetal original do Pantanal já foi destruída. A taxa de desmate, que era de 0,46% nos anos 90, subiu para 2,3% em 2004. Em janeiro de 2006, o IBAMA multou a maior siderúrgica de MS (Vetorial) em R$ 23 milhões, devido ao uso de carvão proveniente de matas nativas.

Audiência pública sobre o tema, realizado na Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul em abril do ano passado, concluiu que as florestas cultivadas não têm sido suficientes para o fornecimento de todo o carvão vegetal consumido no estado. Documento tirado dos debates apontou que “a demanda em Mato Grosso do Sul para o consumo de madeira de reflorestamento, contando somente o parque industrial já instalado, ou em vias de ativação, como é o caso da maior parte do pólo minero siderúrgico de Corumbá, é suficiente para consumir quase cinco vezes a produção atual...”.

O presidente da Associação Sul-mato-grossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas (Reflore – MS), Luiz Ramirez Júnior, afirma que as indústrias do setor siderúrgico, mínero-siderúrgico, papel e celulose do estado devem consumir, em curto prazo, cerca de 500 mil hectares de florestas. A produção atual é de 120 mil hectares, segundo a entidade.

A saída, propõe Sônia Hess, além de uma fiscalização eficaz, seria uma moratória na implantação de siderúrgicas em Mato Grosso do Sul. “Empreendimentos que consomem a partir de 10 mil toneladas de árvores ao mês deveriam obter permissão de instalação somente após terem plantado árvores suficientes para a sua demanda”.

Um emprego vale o futuro

Em nome do desenvolvimento vale tudo para aqueles que nada tem e para os que querem mais do que já possuem. A MMX representou um salto significativo para o município de Corumbá, que passou do 7º para o 2º lugar na arrecadação de impostos estaduais. Os investimentos na cadeia do minério de ferro vão gerar não apenas recursos tributários para os municípios e para o estado, como também qualificação profissional e geração de emprego. A Planta de Metálicos de Corumbá, ainda durante as obras, gerou 450 empregos diretos e 2.700 indiretos somente na mineração, além de 246 empregos diretos e 1.260 indiretos na siderurgia. Esta realidade, quando confrontada com os danos ambientais, se agiganta e serve de argumento para que o estado feche os olhos para a devastação que já ameaça o futuro da região.

1 comentário:

www.zuelow.com disse...

Esse Eike Batista é louco, nada se preocupa com a saúde da população atual e futura. Literalmente ele é um ambicioso descontrolado.
Parabéns a iniciativa da professora e doutora Sônia Hess pela coragem de enfrenta-lo e desmascara-lo, devido seu envolvimento com forças políticas, que também ajudam a envergonhar e destruir com a beleza do nosso pais.