Semana On

quinta-feira, 29 de março de 2012

Defendo os animais... não gosto de seres humanos?

“Não vi aqui no Facebook nenhum comentário a respeito da mãe que assassinou o filho preso dentro do carro com os vidros fechados e no sol. Bem diferente da cadelinha que foi espancada ou atropelada pelo dono na semana passada. Será que os nossos valores estão mudando?”, perguntou hoje um querido amigo, fotógrafo, em sua timeline do Facebook. 

Manifestações como estas são muito comuns nas redes sociais e, em consequência, na “vida real”. Resumindo: o que meu amigo – e muita gente que pensa como ele - quer dizer é que não é aceitável que uma pessoa se envolva em uma campanha contra os maus tratos aos animais se esta mesma pessoa não se manifesta contra os abusos cometidos pelo homem contra seus semelhantes. 

É como se houvesse uma obrigação moral em colocar o ser humano como a coisa mais importante sobre a face da terra. Por si só este pensamento é problemático, visto que, se tivéssemos que optar, por exemplo, pela natureza ou pelo ser humano a escolha óbvia seria pela natureza. Afinal, o homem não sobrevive sem os recursos da natureza, embora a natureza não precise do homem para prosperar. 

Mas, a questão não é essa. Longe disso. A questão é: somos obrigados a nos manifestarmos pelo ser humano toda vez que nos manifestarmos pelos animais?  A resposta é um sonoro não. Não há obrigação ética ou moral nesta escolha. De fato, esta escolha não existe, pois uma coisa não exclui a outra.

Para que defender os direitos dos negros se há tantos índios sofrendo? Por que se manifestar pelos dissidentes cubanos se há tantos pobres no Brasil? Pra que diabos falar dos palestinos se as baleias estão sendo dizimadas pelos japoneses? Ora, amigos, estas perguntas não fazem o menor sentido, assim como não faz sentido condenar os defensores de animais diante do sofrimento humano. 

Falácia do Falso Dilema

Sem querer filosofar, esta tendência de colocar a preocupação para com os animais e a preocupação para com os seres humanos em uma balança é uma grande armadilha. Trata-se do que, na filosofia, chama-se de “falácia do falso dilema”. Ele surge quando, no discurso falado ou escrito, alguém insiste ou insinua que duas opções são mutuamente excludentes. Trata-se de um recurso muito utilizado no jogo político, quando se tenta cooptar a população a fazer uma escolha entre A ou B, ainda que A e B não sejam as únicas opções reais. Na verdade uma coisa não exclui a outra. O fato de alguém compartilhar mensagens de defesa aos animais não significa que esta pessoa não se importe com os seres humanos e vice-versa. 

Em seu artigo “O cão, o garoto gay, o político corrupto”, Alexey Dodsworth – de quem sorrateiramente furtarei alguns pensamentos adiante – explica com maestria esta questão.

A estrutura do falso dilema, explica Dodsworth, é simples: Ou A ou B. Se não A, logo B. O senso comum aceita esta estrutura com bastante facilidade, embora ela seja totalmente falsa.

Vamos a alguns exemplos reais muito simples: 

“Os paulistas são palmeirenses ou corintianos. João não é palmeirense. Logo, João é corintiano”. Errado, pois existem paulistas santistas, flamenguistas, paulistas que não gostam de futebol e não torcem para time algum etc.

“Ou mantemos armar nucleares, ou seremos atacados”. Errado, não ter armas nucleares não implica necessariamente em ser atacado. 

“Se defendemos os animais, não nos importamos com os seres humanos”. Errado, defender os animais não significa não se importar com nossos semelhantes.

É quase uma lei da natureza: sempre que alguém fala da importância de cuidar dos animais ou milita em prol dos direitos animais, surge alguém questionando por que as crianças de rua não são importantes, ou por que os militantes de direitos animais não se importam com racismo, homofobia, misoginia, ou (insira aqui a causa de sua preferência). 

Ou direitos animais ou direitos humanos. Alessandra escolheu direitos animais, logo não escolheu os direitos humanos. Totalmente falso. O fato de uma pessoa se mobilizar para lutar pela causa dos animais não significa que ela não se importe com os direitos humanos (e vice-versa). Qualquer tentativa de insistir nisso é maldosa e não tem lógica nenhuma.

O caso do bebê que morreu de calor ao ser trancado pela mãe dentro do carro causou a indignação legítima de milhares de pessoas, e do meu amigo fotógrafo. Mas levou-o a cair na armadilha da falácia do falso dilema. Ele reclama que não houve a mesma comoção em relação a este caso como em outros casos envolvendo maus tratos aos animais. 

Aqui, é preciso ter alguns cuidados: 1. Será que não houve a mesma comoção? Como quantificar isto? 2. Ainda que não tenha ocorrido a mesma comoção, isso não invalida (ou não deveria invalidar) a indignação contra os maus tratos aos animais.

Em essência, a indignação equivocada de meu amigo poderia ser resumida da seguinte forma: 

“Ao invés de se indignar contra os maus tratos aos animais, vocês deveriam se indignar contra a morte do bebê.”

ou 

“Ao invés de se indignar com os maus tratos aos animais, vocês deveriam se indignar com o fato de que crianças estão nas ruas, morrendo de fome ou fazendo trabalho escravo.”

Resumindo: não é verdade que quem se importa com animais abandonados não liga para injustiças sociais. Insinuações em contrário, ainda que engraçadas e aparentemente cabíveis, são maldosas e isentas de lógica. O que acontece é bastante simples de entender: as pessoas, por motivações diversas, são mobilizadas com mais intensidade por algumas coisas. 

Há quem sinta especial mobilização pelos direitos dos animais. Há quem sinta especial mobilização pela causa gay. Há quem sinta especial mobilização para lutar contra o machismo, o racismo etc. Uma coisa não exclui a outra, e não são os outros que devem determinar (sobretudo a partir de argumentos coercitivos e falsos) as causas pelas quais nos importamos.

1 comentário:

BAR DO BARDO disse...

Há muitos que nada fazem por ninguém, além do lamento catártico antes de abrir a próxima lata de cerveja.
Acho que se expor e fazer algo pelos animais que não sabem se expressar em linguagem humana já é alguma coisa, coisa boa e útil.
Sua argumentação, VB, foi bem convincente, amar os animais não signifca detestar os humanos, se bem que essa possibilidade nem sempre deva ser descartada, dependendo da situação...

Valeu!